Amável, atencioso, e sempre cordial, Prof. Ricardo foi destas pessoas que de forma excepcionalmente generosa transmitem o saber de forma sem julgamentos, sem soberba, com um volume e densidade que qualquer tempo com ele era tempo útil. Prof. Ricardo redefiniu o impossível. Ficamos com o legado que, assim em sua modéstia, pode ser resumido não pelo que está construído, mas pelas lições que ele passou, na sua confiança inabalável em constantemente redefinir o impossível. A minha gratidão fica do lado da saudade, e a memória de alguém realmente extraordinário.

 

 

Conheci-o em 1998, no meu (primeiro) retorno ao Brasil. Eu gostava de falar que Cylon foi responsável pela minha volta, mas Ricardo pela minha permanência. Aliás, esta aconteceu de uma forma que nos meus 31 anos a época sabia apreciar, mas sem ter, no entanto, a dimensão de como extraordinária uma pessoa poderia ser. No que foi um infortúnio no meu regresso a enorme dificuldade em conseguir financiar minhas atividades de pesquisa, fiquei talvez com algo muito mais valioso e duradouro, e que sempre irá me acompanhar.  

Nos meus primeiros meses de LNLS, sem dinheiro apesar de todo o volume de recursos que a FAPESP fornecia, os pareceristas que insistiam em recusar meu auxílio pesquisa na verdade me deram algo muito maior – a companhia, atenção, e preocupação de Ricardo. Sempre tomando um café, ao lado de seu cigarro, eu aprendi com um verdadeiro polímata sobre ciência, engenharia, em uma amplitude e profundidade que até hoje revisito mentalmente para beber daquele caldo de conhecimento.  

Ricardo tinha se formado engenheiro civil, e doutor em física. Responsável pelos estudos iniciais da construção do LNLS, e naturalmente todos os passos até sua operação, eu cheguei logo após a inauguração, e talvez por sorte minha havia maior disponibilidade, e ele me ensinou muita coisa. O prof. Ricardo, como todos o chamavam, era não apenas aquela pessoa que ensina. Mas a pessoa que estimulava a curiosidade de uma forma única.  

Em uma ocasião, me lembro de na varanda do restaurante do LNLS, tomando café, expliquei como funcionava o microscópio de força atômica. Em poucos minutos, ele pegou uma folha de papel e redesenhou o que poderia ser um sistema de deslocamento com uma precisão de 0.0001 nm… Eu não conseguia nem alcançar! Como sabia sobre ótica de raios-X, ele disse que era possível, mas talvez não prático. O ponto mais interessante foi de testemunhar que uns 10 anos depois os fabricantes de microscópios de força atômica começaram a utilizar aqueles conceitos, porém de forma primitiva.  

Este breve caso mostra uma pequena fração do conhecimento, inventividade e iluminação que muitos tiveram a chance de absorver. E que para mim, nas circunstâncias que vivia tinha um valor de difícil avaliação, pois não era apenas a parte técnica e de conhecimento, mas também a parte humana, de atenção a pessoa, preocupação e zelo. A dimensão humana era especialmente e similarmente diferenciada. Quando por vezes me queixava de algumas destas idiotices que a gente  no Brasil, ele  falava – ter um país desenvolvido dá trabalho, sim. O que logo me levava a caminhar. Amável, atencioso, e sempre cordial, Prof.  Ricardo foi destas pessoas que de forma excepcionalmente generosa transmitem o saber de forma sem julgamentos, sem soberba, com um volume e densidade que qualquer tempo com ele era tempo util.  

Prof. Ricardo redefiniu o impossível. Ficamos com o legado, que assim em sua modéstia, pode ser resumido não pelo que está construído, mas pelas lições que ele passou, na sua confiança inabalável em constantemente redefinir o impossível.  

A minha gratidão fica do lado da saudade, e a memória de alguém realmente extraordinário.