Tenho muitas caras lembranças do Ricardo – como para muitos outros, eu diria mesmo para toda uma geração, Ricardo foi personagem central da minha vida profissional, um mentor, um exemplo na minha formação como profissional, como físico de aceleradores, como gestor e como pessoa. A ele devo muito e levarei para sempre um sentimento de gratidão e reconhecimento pelas oportunidades que ele me proporcionou.
Relembrando Ricardo Rodrigues
Tenho muitas caras lembranças do Ricardo – como para muitos outros, eu diria mesmo para toda uma geração, Ricardo foi personagem central da minha vida profissional, um mentor, um exemplo na minha formação como profissional, como físico de aceleradores, como gestor e como pessoa. A ele devo muito e levarei para sempre um sentimento de gratidão e reconhecimento pelas oportunidades que ele me proporcionou.
Ricardo foi um cara múltiplo com uma capacidade criativa impressionante e ao mesmo tempo uma aguda capacidade analítica, características muito difíceis de se encontrar numa só pessoa, como disse, foram muitas os eventos memoráveis que Ricardo me proporcionou ao longo de mais de duas décadas de convívio.
Aqui vou mencionar apenas dois deles, que ressaltam o lado do Ricardo professor. Deve ter sido no primeiro semestre de 1988, tinha eu poucos meses de LNLS e debatia-me com os livros de física de aceleradores, tentando entender como funciona o processo de injeção de elétrons em um acelerador circular. E tinha dificuldades, usando o arsenal que me era mais familiar – expressões analíticas da dinâmica das partículas no processo de injeção. Ainda que eu conseguisse derivar todas as fórmulas que encontrava nos livros, tinha dificuldade de tomar o passo seguinte e construir uma intuição do problema, uma percepção mais profunda do que estava acontecendo. Pois bem, numa noite de junho, passa o Ricardo pela minha sala no Santa Cândida– na época conhecida como “aquário” – e, percebendo meu desalento, me convida para ir para a sala dos desenhistas e projetistas mecânicos, naquele horário já deserta. Pois ali havia algo que hoje já não existe mais – pranchetas onde projetos mecânicos eram desenvolvidos meticulosamente à mão, antes da era dos computadores e programas de CAD. Pois foi ali, com régua e compasso que Ricardo tornou tudo óbvio para mim – geometricamente, e com desenhos detalhados e precisos, e sem uma fórmula sequer. Foi um momento “eureka” que só um grande professor proporciona, destes que a gente não esquece nunca mais.
Tendo vindo para o mundo da Física de Aceleradores quando ingressei no LNLS em 1986, vindo da Física teórica no meu mestrado, no começo de 1989 eu estava um tanto desencantado da Física. O meu background teórico na época me fazia ter expectativas de formulações precisas e inequívocas, que eu não conseguia ver nos textos e artigos que lia sobre aceleradores e mesmo outras áreas da Física. A coisa chegou ao ponto em que considerei seriamente abandonar a coisa toda e ir trabalhar com computação e inteligência artificial. Pois nesta época, num destes cafezinhos com o Ricardo, tomei coragem e contei sobre minha dúvida existencial – a Física parecia incompleta, imprecisa, dependente de conceitos mal definidos – Na matemática e nos computadores tudo seria muito melhor, com regras claras de onde partir. Pois a resposta do Ricardo foi imediata e me colocou de volta no rumo em cinco minutos – é justamente por ser incompleta que a Física é muito mais interessante e estimulante – não um universo artificial e limitado, mas o universo natural sem fronteiras em que os conceitos, ainda que difusos, nos capacitam a fazer coisas novas. Mais uma para levar pro resto da vida.
Na foto anexa: circa 1994, Ricardo em almoço na casa de Pedro e Ana.