Ricardo era um cientista inusitado: não ligava para publicações, nem para assistir a conferências, festas ou fazer barulho na mídia. A contribuição de Ricardo para a ciência no Brasil tem sido tremenda, ao mostrar que o Brasil tem capacidade de construir grandes instalações sofisticadas, que às vezes são criticadas pelo custo, mas hoje absolutamente necessárias porque permitem experiências, em muitas áreas, impossíveis em pequenos laboratórios.

 

HOMENAGEM A RICARDO RODRIGUES

Em 1980, o presidente do CNPq, Lynaldo Albuquerque, pediu ao diretor do CBPF, Roberto Lobo, que visse a possibilidade de construir um grande centro de pesquisas que proporcionasse infraestrutura para pesquisadores de todo o país. Entre as idéias consideradas por R. Lobo estava uma proposta de um anel de armazenamento para produzir radiação síncrotron. Em 1982, R. Lobo visitou o Centro Francês de Radiação Síncrotron (LURE) em Orsay onde Aldo Craievitch fazia pós-doutorado, depois de fazer a sua tese no «Laboratoire de Physique des Solides». Ele estava convencido de que poderia ser um bom projeto para o Brasil porque muitas comunidades diferentes (Física, Química, Biologia, Ciências dos Materiais …) poderiam se interessar. Em setembro de 1982, foi nomeado coordenador do Projeto de Radiação Síncrotron e passou a ser o responsável pelos estudos de viabilidade.

Em 1985, passei um mês no Brasil ministrando palestras no CBPF do Rio e seminários em várias Universidades. No começo as pessoas pensavam que eu estava tentando vender uma «máquina» para elas, mas rapidamente disse a elas que a única possibilidade de sucesso para o Brasil era construir tudo. Não devemos esquecer que, naquela época, a indústria brasileira não podia fornecer nenhum dos componentes importantes como ímãs, câmaras de vácuo ou sistemas de RF: hoje a situação é bem diferente. Em setembro de 1986, Cylon Gonçalves da Silva foi nomeado diretor do Laboratório. Conheci Cylon porque ele estava fazendo seu doutorado com Leo Falicov no Departamento de Física em Berkeley, onde eu fazia pós-doutorado. A construção do UVX foi para mim um verdadeiro «tour de force». O orçamento era ridículo, sem continuidade, mas Cylon, Aldo Craievitch (Diretor Científico) e Ricardo conseguiram administrá-lo com sucesso com uma equipe muito pequena e seguir em frente.

Quando eu era DG do LURE (Orsay) tentei ajudá-los de várias maneiras e por 10 anos tivemos um contrato entre o LNLS e o LURE permitindo treinar cientistas brasileiros no LURE e enviar cientistas a Campinas para dar palestras. Foi nessa época que conheci Ricardo Rodrigues. Sua formação era cristalografia de raios-X. Ele fez seu PhD com M. Hart (King’s College, Oxford University), um dos especialistas mundiais na área de interferometria de raios-X. Por não haver físicos de aceleradores naquela época no Brasil, ele aceitou ir para o SLAC (Stanford), com Helio Tolentino e Liu Lin, para ser treinado por Helmut Wiedeman, físico de acelerador e professor do SLAC. As instabilidades econômicas no Brasil no início da década de 1990 levaram ao atraso do projeto. Em outubro de 1995, a construção do prédio foi concluída e a equipe do LNLS mudou-se para o local para iniciar a instalação da máquina. Os primeiros turnos para os usuários foram entregues em julho de 1997. Este pequeno anel de armazenamento (UVX), embora tenha uma grande emitância (100 nm.rad), uma baixa energia (1,37 GeV) para Raios-X, um único ondulador e 2 wigglers, permitiu criar uma grande comunidade, de mais de 6000 pesquisadores, atendendo 1700 usuários por ano, e até seu desligamento (2019) produziu ciência de excelência.

Ricardo deixou o laboratório em 2001 e voltou em 2009, a pedido de José Roque, novo Diretor do LNLS. Ficou claro que o pequeno anel de armazenamento tinha cada vez mais problemas para ser competitivo com anéis de terceira geração de baixa emitância, baseados essencialmente em onduladores. A ideia era construir uma nova fonte de 3 GeV.

Em setembro de 2009, recebi um telefonema do José Roque perguntando se aceitaria vir ajudá-lo. Minha primeira reação foi dizer não, mas depois de discutir com as pessoas do laboratório, descobri que a situação era muito difícil:
o orçamento era muito baixo e 17 dos 24 cientistas haviam partido. Por isso aceitei. Do meu ponto de vista, havia apenas 2 soluções:
– fechar o laboratório
– aumentar seriamente o orçamento

Tivemos sorte, obtivemos um aumento do orçamento permitindo a contratação de novos cientistas, a criação de algumas novas linhas de luz e o início dos trabalhos na nova fonte de raios X de 3 GeV com emitância de poucos nm. rad. Assim, como durante a construção do pequeno anel, um Comitê Consultivo de Máquina (MAC) foi criado e rapidamente recomendou mudar a rede para atingir 280 pm.rad, solução já adotada em MAX IV (Lund), mudando completamente as possibilidades científicas da fonte. Durante a construção, tive a oportunidade de conhecer melhor o Ricardo. Ele era um engenheiro notável, mas também um cientista notável, interessado por muitos assuntos fora de sua área. Às vezes tínhamos pequenas brigas porque, impaciente, não gostava de ver um item com atraso na entrega.

Em 2011, com Harry Westfahl (Diretor Científico Adjunto), decidimos lançar duas novas linhas de luz, para treinar a comunidade científica e nossos cientistas em áreas ainda não cobertas pelo LNLS: deveriam ser cientificamente importantes, baratas, porque tínhamos baixo orçamento, e deveriam ser construídas em casa em menos de 2 anos.

Para a primeira linha de luz, escolhemos a imagem 3D (um campo em expansão nas instalações de 3ª geração). Para o segundo, estávamos pensando em escolher uma linha de luz infravermelha “clássica”, mas tivemos sorte. No final de 2011, R. Hillenbrand e seu grupo publicaram um artigo empolgante (Nature Materials) mostrando a possibilidade de fazer imagens e espectroscopia no infravermelho com resolução de 100 nm integrando uma ponta de AFM no interferômetro, usando uma fonte térmica (globar).

Sabendo que a radiação síncrotron é 500 vezes mais brilhante que um globar, decidimos construir uma configuração semelhante no anel UVX para fazer espectroscopia e nanoimagem com resolução de 25 nm, na faixa de 3 a 20 µm. Naquela época, nenhum dos centros de SR tinha esse tipo de configuração. Mas tivemos dois problemas:
– encontrar o cientista capaz de construir isso: foi fácil e escolhemos R. Freitas
– encontrar o dinheiro para comprar o SNOM (microscopia óptica de varredura infravermelha espectroscópica de campo próximo).

Depois de ler o artigo, encontrei Ricardo no intervalo para o café e expus o trabalho do Hillebrand: ele ficou muito interessado, mas eu disse a ele que não tínhamos dinheiro para comprar o SNOM. Depois de alguns minutos, ele disse que ainda tinha algum dinheiro e que estava disposto a ajudar. Isso permitiu construir a linha de luz infravermelha: tem sido uma das linhas de luz mais produtivas do LNLS nos últimos anos.

Acho que a contribuição de Ricardo para a ciência no Brasil tem sido tremenda, ao mostrar que o Brasil tem capacidade de construir grandes instalações sofisticadas que às vezes são criticadas pelo custo mas hoje absolutamente necessárias porque permitem experiências, em muitas áreas, impossíveis em pequenos laboratórios.

Ricardo era um cientista inusitado: não ligava para publicações, nem para assistir a conferências, festas ou fazer barulho na mídia.
Em 2017, alguns cientistas brasileiros submeteram a candidatura de Ricardo à Academia Brasileira de Ciências: ele não foi eleito. Fiquei muito desapontado. Para mim, a física dos elétrons em aceleradores é tão complicada quanto a física dos elétrons em um sólido. É interessante destacar que, entre 1997 e 2012, foram atribuídos 6 dos Prêmios Nobel de Química a trabalhos realizados em instalações de luz síncrotron.

É hora de reconhecer que isso é possível graças a pessoas que sabem como construir essas instalações.

Yves Petroff
Ex-Diretor Científico do LNLS: 11 / 2009-03 / 2013
Ex-Diretor do LNLS: 12/08/2018 2019