O evento tem por finalidade discutir estratégias de aprimoramento da comunicação científica da emergência climática. Essa finalidade justifica-se facilmente. Processos como a proximidade de um ponto de não retorno da floresta amazônica, dos incêndios do Pantanal, ou, em outras latitudes, a amplificação ártica, o ritmo do degelo da Groenlândia e da Antártida, do degelo marinho no Ártico, da elevação do nível do mar, da liberação de GEE do permafrost, entre outros, vêm-se mostrando consistentes com os worst-case scenarios do IPCC (em geral, categorizados com o qualificativo: “baixa confiabilidade”), isso quando não se revelam ainda piores do que as piores simulações dos modelos climáticos, como é o caso do aquecimento atual do Atlântico Norte.[i]

Entre 1970 e 2010, o aquecimento médio global aumentou à taxa de 0,18 oC por década. Entre 2011 e 2050, ele deve aumentar, aliás, já está aumentando, à taxa de 0,27 oC a 0,36 oC por década.[ii] Mesmo sem aceleração ulterior, o planeta deve se aquecer em média +1 oC a cada três ou quatro décadas. Diante dessa aceleração vertiginosa do aquecimento, impõe-se à ciência a responsabilidade de comunicar à sociedade, do modo mais amplo e acessível possível, as ameaças presentes, iminentes, gravíssimas e, no limite, existenciais, que pesam sobre a humanidade e sobre a maioria das formas de vida pluricelular no planeta.

 

Os cientistas têm, contudo, se mostrado, ao menos em sua maioria, pouco dispostos a priorizar essa agenda. Predominam entre eles, o que James Hansen chamou de “reticência científica”:[i]

“A cautela, se não a reticência, tem seus méritos. (…) Reticência está bem para o IPCC. E os cientistas, individualmente, podem optar por ficar em uma zona de conforto, sem precisar se preocupar se dizem algo que se mostra ligeiramente errado. Mas talvez devêssemos também considerar nosso legado de uma perspectiva mais ampla. Não sabemos o suficiente para dizer mais?”

E tanto neste artigo quanto em seu livro de divulgação de 2009, Tempestades sobre meus netos,James Hansen resumiu magistralmente esse temor, associando duas imagens originadas em Esopo e Tácito numa frase cuja tradução requer uma paráfrase: “Scientists’ fear of ‘crying wolf’ is more immediate than their fear of ‘fiddling while Rome burns’”.[i] Em outras palavras, os cientistas temem mais imediatamente a acusação de gritar “o lobo está chegando”, sem que ele de fato esteja, do que temem “tocar lira enquanto Roma arde”. Essa imagem do comportamento de Nero (de resto, historicamente falsa) diante do incendium magnum Romae do ano 64 equivaleria, mutatis mutandis,à tentação da comunidade científica de se desresponsabilizar pela comunicação social de seu saber diante da catástrofe climática em curso. A mesma tendência foi detectada por Keynyn Brysse e colegas num artigo histórico publicado há pouco mais de 10 anos:[ii]

“As evidências disponíveis sugerem que os cientistas têm sido de fato conservadores em suas projeções dos impactos das mudanças climáticas. Em particular, discutimos estudos recentes que mostram que pelo menos algumas das principais características do aquecimento global devido ao aumento dos GEE atmosféricos foram subestimadas, particularmente nas avaliações da ciência física pelo Grupo de Trabalho I do IPCC. (…) Sugerimos, portanto, que os cientistas são tendenciosos, não do lado do alarmismo, mas, ao contrário, do lado de estimativas cautelosas, onde definimos cautela como errar do lado de previsões menos alarmantes. Chamamos essa tendência de ‘errar pelo lado do menor drama’”.

As campanhas de desinformação científica têm habilmente explorado essa reticência e esse “errar pelo lado do menor drama”, com grande prejuízo para a percepção social da extrema gravidade do problema. É verdade que se observa um progressivo engajamento da comunidade científica na tarefa de encontrar mediações entre o saber especializado e a percepção social do problema. Por outro lado, se é fácil apontar as insuficiências da comunicação científica da emergência climática, é bem mais difícil elaborar as soluções para sanar esse problema. Muitas são as dificuldades práticas para essa correção de trajetória no âmbito da comunicação social da ciência do clima. E o encontro aqui proposto será bem-sucedido se contribuir para a elaborar tais soluções.

 

[i] Cf. J. Hansen, Storms of My Grandchildren: The Truth About the Coming Climate Catastrophe and Our Last Chance to Save Humanity. Bloomsbury, 2009, p. 87.

[ii] Cf. Keynyn Brysse et al., “Climate change prediction: Erring on the side of least drama?”. Global Environmental Change, I, fevereiro de 2013, pp. 327-337.[i] Cf. James Hansen, “Scientific reticence and sea level rise”, Environmental Research Letters, 24/V, 2007.

 

[i] Cf. Zeke Hausfather, “Are temperatures this summer hotter than scientists expected?” Berkeley Earth, 27/VII/2023.

<https://berkeleyearth.org/are-temperatures-this-summer-hotter-than-scientists-expected/>.

[ii] Cf. James Hansen et al., “Global Warming in the pipeline”. Oxford Open Climate Change, 3, 1, 2/XI/2023, p. 21: “With current policies, we expect climate forcing for a few decades post-2010 to increase 0.5–06 W/m2 per decade and produce global warming of at least +0.27°C per decade”.