Diante de uma realidade imposta que até parecia um roteiro de filme de ficção científica, o CNPEM agiu rapidamente e reorientou suas atividades de pesquisa e desenvolvimento, mobilizando seu quadro de recursos humanos altamente qualificado, sua infraestrutura científica de ponta, técnicas e competências disponíveis em uma força-tarefa para o enfrentamento da Covid-19. Além das atividades realizadas no âmbito da Rede Vírus, coordenada pelo MCTI, em que atuou com o reposicionamento de fármacos e o projeto e produção de Face-Shields, o Centro atuou também em outras frentes:
Covid-19
2020-2021, OS ANOS QUE MUDARAM NOSSAS VIDAS
1. Geração de partículas virais defectivas (VLPs) voltadas a facilitar a manutenção e a experimentação com o vírus SARS-CoV-2;
2. Desenvolvimento de testes e diagnósticos com transferência de tecnologia para um hospital e uma organização social parceiros do CNPEM;
3. Na produção de proteínas virais recombinantes; sequenciamento genético e engenharia genética aplicada ao vírus;
4. Desenvolvimento de métodos de desinfecção de ambientes e superfícies;
O CNPEM também apoiou pesquisas relacionadas à Covid-19 de usuários externos, abrindo as portas de suas instalações abertas. As propostas atendidas usaram, principalmente, técnicas de microscopia eletrônica, criomicroscopia, microfabricação e cristalização de macromoléculas.
ESFORÇOS CONJUNTOS EM BUSCA DE RESPOSTAS
Por Kleber Franchini,
Diretor do Laboratório Nacional de Biociências – LNBio
A pandemia da COVID-19 testou a capacidade científica do CNPEM de maneira inesperada. Em um esforço coletivo, executamos projetos de alta complexidade com potencial para impactar o entendimento da biologia do SARS-CoV-2, o desenvolvimento de insumos para pesquisas, e o estabelecimento de alternativas terapêuticas e diagnósticas para a COVID-19. Para alcançar esses objetivos, foram reunidas competências em biologia computacional, em biologia estrutural e molecular, em descoberta de medicamentos, e biologia de doenças, apoiadas na infraestrutura científica de classe mundial disponível no CNPEM. O esforço contou também com a antecipação do comissionamento e disponibilização para uso emergencial pela comunidade científica da linha de luz MANACÁ do Sirius, dedicada à cristalografia de proteínas – uma técnica fundamental para o entendimento da biologia do vírus e para a descoberta e desenvolvimento de medicamentos. Como resultado, propusemos o fármaco antiviral nitazoxanida para estudos clínicos de segurança e eficácia; estabelecemos testes sorológicos e em saliva para a detecção de antígenos virais que foram utilizados em profissionais de saúde em ambiente hospitalar; padronizamos ensaios experimentais; produzimos reagentes e insumos para pesquisa; contribuímos no desenvolvimento de vacinas em teste; além de termos aprofundado o conhecimento da biologia do SARS-CoV-2. Esse cenário trouxe à tona com mais clareza o papel estratégico do CNPEM no atendimento de demandas da sociedade.
Há um entendimento de que esta não será a última vez que um agente patogênico ameaçará nossas vidas e nossos meios de subsistência. Estabelecer os meios e instrumentos que possam mitigar seus impactos exige esforço científico, estabelecimento de competências, e investimentos. Nossas ações no enfrentamento da COVID-19 nos inspiram a nos capacitar para vencer novos desafios na pesquisa e desenvolvimento em saúde. Com apoio do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações, o CNPEM será a sede de uma complexa infraestrutura científica dedicada à biocontenção e pesquisa de agentes patogênicos, incluindo aqueles que requerem máxima contenção biológica. De maneira inédita, esta infraestrutura será acoplada ao Sirius, o que permitirá abordagens experimentais singulares para o entendimento da biologia de agentes patogênicos de alta periculosidade, e estabelecer as condições para o desenvolvimento de meios de enfrentamento rápidos e eficientes.

CNPEM INTEGRA A REDE VÍRUS MCTI
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) mobilizou unidades de pesquisa, Institutos de Ciência e Tecnologia e laboratórios espalhados por todo o território nacional em resposta à emergência do novo coronavírus, instituindo a Rede Vírus MCTI. A Rede Vírus é um comitê que reúne especialistas, representantes de governo, agências de fomento do ministério, centros de pesquisa e universidades com o objetivo de integrar iniciativas em combate a viroses emergentes. Essas instituições atuam em conjunto no desenvolvimento de diagnósticos, tratamentos, vacinas e produção de conhecimento sobre o vírus.
Imagens de microscopia eletrônica de linfócitos infectados com o vírus SARS-Cov-2, onde identifica-se os vírus dentro das células, em vesículas. Experimento realizado por pesquisadores do CNPEM e da Unicamp.
PARTÍCULAS VIRAIS DEFECTIVAS (VLPS)
Estudos laboratoriais para pesquisa de fármacos inibidores do novo Coronavírus podem ser facilitados a partir da utilização de partículas virais defectivas, que não apresentam riscos de infecção. Foram produzidas partículas denominadas VLPs, que apresentam o envoltório viral e carecem de material genético, seguido de ensaios de microscopia eletrônica, em que foi observada a morfologia da partícula, muito semelhante à esperada para uma partícula viral selvagem. O sistema de produção das partículas está em aperfeiçoamento para aumentar a concentração e viabilizar a realização de ensaios de biologia estrutural.
REPOSICIONAMENTO DE FÁRMACOS E BIOLOGIA ESTRUTURAL DO SARS-COV-2
O CNPEM ingressou na Rede Vírus MCTI com projeto voltado para a identificação de fármacos já disponíveis, com potencial aplicação na Covid-19. Essa atividade envolveu diretamente as Plataformas de Descoberta e Desenvolvimento de Fármacos, Computação Científica e Biologia Estrutural, e o Programa em Pesquisa em Doenças Infecciosas, estabelecidos nos anos anteriores no CNPEM. Em conjunto, essa infraestrutura e equipes executaram ensaios para triagem de compostos in silico e in vitro, determinaram a estrutura de proteínas importantes para a replicação de SARS-CoV-2 que representam alvos para fármacos antivirais, avançaram nos mecanismos moleculares importantes para o ciclo replicativo de SARS-CoV-2, bem como nos mecanismos de ação dos fármacos-candidatos encontrados.

O reposicionamento de fármacos consiste na pesquisa de medicamentos já existentes no mercado (portando já aprovados pelas unidades competentes), para o uso em novas terapias. A plataforma de High Content Throughput Screening é ideal para a triagem de ativos eficazes
TRIAGEM E MINERAÇÃO DE DADOS PARA A SELEÇÃO DE ATIVOS
Cerca de dois mil fármacos já aprovados para o uso em outras doenças foram testados por triagem virtual contra duas proteases de SARS-CoV-2 e a proteína do nucleocapsídeo (membrana que envolve o núcleo do vírus) de SARS-CoV-2. A iniciativa partiu de moléculas sabidamente seguras em seres humanos, disponíveis em bancos de dados, e utilizou abordagens computacionais para gerar um ranking de fármacos com potencial de ligação ao sítio ativo das proteínas alvo e que, portanto, seriam candidatos para reposicionamento em Covid-19. Vinte e nove moléculas foram purificadas a partir de medicamentos ou obtidas comercialmente. O fármaco que mais se destacou no contexto de reposicionamento em Covid-19 foi a nitazoxanida.

Exemplos de possíveis complexos receptor-inibidor identificados através de triagem virtual contra três alvos moleculares do SARS-CoV-2. (A) 3C-Like Protease, (B) Papain-Like Protease, (C) domínio N-terminal da proteína do nucleocapsídeo
PARCERIAS COM EMPRESAS
Paralelamente à ação de reposicionamento de fármacos, foi estabelecida uma parceria com a empresa KUNUMI, que desenvolve modelos usando inteligência artificial. A parceria visou a construção de um banco de dados sobre fármacos já aprovados, contendo informações sobre aplicações e mecanismos moleculares de ação, estrutura química e resultados da literatura em Covid-19 (sintomas, mecanismos, estudos clínicos, entre outros). A empresa desenvolveu um modelo computacional que resultou em um ranking de cem compostos potenciais, dos quais trinta não foram reportados na literatura até o momento. Desse subconjunto, seis mostraram maior potencial e foram selecionados para aquisição e testes pelo CNPEM.
PARCERIA COM A MEDICINE FOR MALARIA VENTURE (MMV)
A abordagem de triagem de compostos do CNPEM também resultou no estreitamento das parcerias com a Medicine for Malária Venture (MMV) – consórcio internacional que visa o desenvolvimento de novos fármacos para doenças infecciosas, incluindo viroses emergentes, além de malária. A partir da triagem das bibliotecas MMV disponibilizadas foram encontrados agentes com ação anti-SARS-CoV-2. A avaliação mais aprofundada da ação destes compostos em diversas células humanas está em fase de conclusão.
DISPOSITIVOS
O CNPEM também atuou no desenvolvimento de “Plataforma de dispositivos ultracompactos para diagnostico de Covid-19 em seus estágios iniciais”, um projeto CNPq-MCTI, que visa a fabricação de dispositivos com processos padrão de fotolitografia, permitindo a reprodutibilidade e maior qualidade destes componentes. O dispositivo é composto por um sensor, feito de fina camada de ouro, capaz de detectar uma doença utilizando uma quantidade mínima de amostragem. A arquitetura geral do dispositivo na forma de um microtubo permite concentrar a amostra dentro dele, requerendo volume menor do que o de uma gota. O conjunto permite obter uma resposta rápida e amplificada dada por um sinal elétrico mensurável, que pode ser observado em um computador ou até mesmo em um aparelho portátil. Além do impacto no diagnóstico de Covid-19, essa plataforma pode ser utilizada no diagnóstico de outras doenças, bastando a funcionalização dos eletrodos através de novas camadas de bio-reconhecimento.

Na tela, um cristal da proteína do vírus SARS-Cov-2, criado na instalação de cristalização de proteínas do CNPEM
AVALIAÇÃO DE LUZ NO ESPECTRO DE UVC DISTANTE COMO AGENTE VIRUSCIDA DE SARS-COV-2
O CNPEM deu início a um projeto em parceria com o Instituto Tecnológico Vale, cofinanciado pela própria empresa e pela Embrapii, que busca avaliar a ação da luz ultravioleta distante, far-UVC, como agente viruscida de SARS-CoV-2, para descontaminação de superfícies e objetos. Luzes UV emitidas por lâmpadas germicidas, tipicamente apresentam um pico de emissão em torno de 254 nm de comprimento de onda, que podem causar riscos à saúde humana. Este projeto visa explorar a janela de comprimento de onda do espectro UV que tenha poder antimicrobiano sem causar danos. Ensaios preliminares sobre SARS-CoV-2 tiveram resultados promissores. Após validação da estratégia adotada no estudo será possível o emprego desse tipo de luz no comprimento de onda apropriado, para a descontaminação de ambientes sem causar danos à saúde humana, tornando-se uma opção segura e de fácil utilização para diversos setores da sociedade.
DESENVOLVIMENTO DE MÉTODOS E DISPOSITIVOS DIAGNÓSTICO
O CNPEM também atuou no desenvolvimento de um ensaio imunoenzimático para detecção de anticorpos antivirais de SARS-CoV-2. O ensaio utilizou uma proteína clone do vírus, produzida no Centro, como um antígeno para um ensaio diagnóstico chamado Elisa, que possibilita detectar de forma semi quantitativa a presença de anticorpos antivirais em soro humano. Por meio de uma parceria com o Hospital Dante Pazzanese, foi instituído um protocolo de pesquisa para acesso a amostras de soro e dados de PCR que possibilitaram a validação do ensaio desenvolvido. Além disso, foi efetuada a transferência de tecnologia do ensaio para o hospital, que já realizou mais de dois mil testes com funcionários, e para a Biotec Amazônia. Um manuscrito descrevendo o método foi publicado na revista Frontiers in Immunology em agosto de 2021. O teste Elisa foi utilizado para um estudo realizado com colaboradores do CNPEM, relacionando sinais de anticorpos e efetividade de soroneutralização, para melhor entendimento da correlação do teste sorológico e imunidade protetora antiviral.
SIRIUS NO COMBATE À COVID-19
Com o início das medidas restritivas, a partir de março de 2020, relacionadas à pandemia da Covid-19, as atividades do Sirius foram estrategicamente reorientadas de forma a viabilizar sua participação nos esforços do CNPEM no enfrentamento à Covid-19. Isso exigiu readequações na dinâmica de montagem das linhas de luz, bem como nas atividades relacionadas ao comissionamento dos aceleradores, visando preservar a saúde dos colaboradores do CNPEM. Os esforços de montagem e comissionamento das linhas foram reorientados com foco na conclusão da linha de luz Manacá (dedicada à cristalografia de macromoléculas, como proteínas) e Cateretê (dedicada ao espalhamento coerente de raios X). Ambas viabilizam técnicas importantes no apoio aos esforços da comunidade científica no combate à Covid-19. A decisão de priorizar essas atividades considerou a natureza dos experimentos da linha de luz Manacá, que permitem visualizar detalhes em escala atômica de biomoléculas, como aquelas que compõem um vírus, por exemplo.