BUSCANDO INSPIRAÇÃO EM TUDO O QUE NOS CERCA
Os dois trabalhos têm uma inspiração em comum: a natureza. Fungos e bactérias são máquinas de produção de enzimas. Quando um patógeno ataca uma planta, por exemplo, a violação da barreira física acontece por meio de enzimas que desintegram a parede celular vegetal e permite que o hospedeiro se aloje. Apesar dos efeitos indesejáveis para as plantas, é para esse tipo de estratégia que os pesquisadores estão olhando. “Observamos a natureza e formulamos hipóteses. Se uma enzima é capaz de quebrar a barreira física de plantas, talvez ela consiga fazer o mesmo com resíduos agroindustriais, acessando açúcares aprisionados tornando-os disponíveis para fermentação e conversão em produtos”, exemplifica Mario Murakami, autor principal dos estudos.
Absorver esse conhecimento e reproduzir em laboratório é outra frente importante do Laboratório. O CNPEM desenvolve plataformas biológicas (microrganismos) “engenheirados” por meio de modificações genéticas e que podem ser customizados para produzir enzimas sob medida, com potencial de aplicação em diferentes atividades. “Nosso objetivo é simples: emular e aperfeiçoar estratégias moleculares encontradas na natureza que vem sendo esculpidas por centenas de milhões de anos”, esclarece.
No CNPEM, enzimas são submetidas a técnicas de cristalografia com radiação sincrotron por meio do Sirius, por exemplo, para viabilizar a visualização da estrutura tridimensional. Outros passos incluem modificações em sua organização molecular, testes laboratoriais e escalonamento em Planta Piloto para verificar a viabilidade de aplicação dos processos em ambientes supercríticos, como os industriais.
ENZIMAS TRABALHAM SOZINHAS?
A máxima “várias cabeças pensam melhor do que uma” pode ser extrapolada às enzimas. De modo geral, enzimas diferentes são sinergicamente combinadas para que uma determinada atividade seja realizada. Por exemplo, a desmontagem de resíduos agroindustriais em açúcares fermentescíveis, que requer um verdadeiro arsenal enzimático constituído por dezenas de enzimas, que chamamos de coquetéis enzimáticos. “Essas formulações enzimáticas são combinações complexas que permitem extrair componentes de resíduos agroindustriais que são passíveis de serem biotransformados em produtos de interesse à sociedade”.
O CNPEM tem experiência com coquetéis, sendo que um deles, elaborado para a produção de etanol celulósico (também chamado etanol de segunda geração) foi patenteado em 2019 junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) via Patent Cooperation Treaty (PCT). Desta forma, o Centro possui domínio de todas as etapas que compõem a artilharia enzimática: engenharia das plataformas biológicas (microrganismos que produzem as enzimas), customização das enzimas e desenvolvimento dos coquetéis.
Essas características colocam o Brasil em posição de destaque tanto em termos científicos quanto tecnológicos. O domínio da cadeia de desenvolvimento e produção de enzimas permite que o País seja competitivo, que a indústria importe menos e, consequentemente, diminua sua pegada de carbono, por poder contar com produções locais de enzimas, até mesmo onsite.