Parecia ser algo passageiro, e com otimismo nos isolamos, adaptando as rotinas e aprendendo a ficar em casa. Novas receitas, velhas séries, arrumações há tempos postergadas…muito trabalho.
ROTINA
DIÁRIOS DA PANDEMIA
Os últimos dois anos foram desafiadores para todos. Transformações aconteceram não só nos ambientes de trabalho, mas nas vidas e no dia a dia das pessoas. Como foi para alguns colaboradores do CNPEM?
MAIKO CARLOS DE BARROS
Cozinhar, pedalar, repensar: hábitos adquiridos no confinamento ajudam a superar momentos sensíveis
Na Planta Piloto Para Desenvolvimento de Processos (PPDP) – instalação para escalonamento de tecnologias, as atividades foram interrompidas e o silêncio imperou.
Cena raríssima: o ambiente é conhecido pelos característicos aromas de fermentação e hidrólise, pelo som da ponte rolante, pelos “beeps” da instrumentação automatizada e pelos sopros da pesada maquinaria que opera sob pressão. A PPDP se calou e, como cada um de nós, sentiu a pandemia.
Colaborador do CNPEM desde 2011, Maiko Carlos de Barros, é analista de desenvolvimento tecnológico em instrumentação na PPDP e experimentou a sensação do afastamento do local de trabalho. “A Planta parou quando houve o lockdown. Ninguém sabia o que estava acontecendo porque tudo era muito inédito. Depois de um mês o CNPEM estabeleceu critérios rigorosos e começamos a retomar algumas atividades e entregas essenciais”, lembra Maiko. “O CNPEM ofereceu condições para que os colaboradores pudessem voltar com segurança”, afirma.
Como muitos, Maiko se viu confinado e, consequentemente, com mais tempo à disposição. Dispensado da necessidade de se deslocar diariamente, realocou as horas adicionais a outras atividades para se ocupar e afastar a enxurrada de notícias ruins que chegavam por todos os lados, da TV ao celular. Em casa, com a esposa e o casal de filhos, botou em prática os dotes culinários. A empreitada se provou bem-sucedida e os resultados foram sentidos no corpo, com quilinhos adicionais aparecendo aqui e acolá. “Em poucas semanas foram dois quilos”, diverte-se.
“Notei o aumento de peso e ir para academia era uma alternativa completamente fora de cogitação”, conta. Foi então que Maiko recebeu o convite de outro colega da PPDP para pedalar. “O Carlinhos [Carlos de Oliveira Filho, coordenador da PPDP] me chamou para andar de bicicleta e eu topei. Pedalamos por cidades vizinhas, como Pedreira e Holambra, e percebi que gostava daquilo. Era um escape e um exercício ao mesmo tempo”. O que começou como passeios despretensiosos acabou se tornando mais do que um meio de transporte e deu o estalo do que seria uma mudança de paradigma.
O raro silêncio tornou-se rotina na Planta Piloto Para Desenvolvimento de Processos (PPDP)
Abraçando a sustentabilidade
A sustentabilidade é um dos fios condutores das pesquisas desenvolvidas no CNPEM. Equipes dedicadas a análises de ciclo de vida, avaliações tecnológicas e ecossistêmicas simulam e calculam os impactos dos desenvolvimentos tecnológicos produzidos no Laboratório. A Planta Piloto é o ambiente que transforma realizações feitas em nível laboratorial em processos de larga escala, e converte experimentos de pequenas dimensões em grandes volumes, unindo a expertise da e sensibilidade da equipe para lidar com gargalos e desafios do escalonamento. Maiko e o time de técnicos, analistas e especialistas da PPDP trabalham em sincronia, em três turnos, e permitem o funcionamento eficiente e ininterrupto de grandes projetos de interesse global – até mesmo em uma pandemia.
Os projetos vão desde o desenvolvimento de tecnologias e microrganismos para conversão de resíduos da agroindústria em biocombustíveis, à utilização de matérias-primas renováveis para a produção de biomateriais (plásticos e polímeros, por exemplo) e bioprodutos (como ácidos e solventes). As etapas críticas que permeiam a transformação da indústria em direção a um planeta com emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) mais controladas, passam pelo CNPEM.
As emissões de GEE, a propósito, caíram cerca de 7% durante a pandemia. Com deslocamentos menos frequentes, a queda foi uma das mais significativas da história segundo estudo publicado na Nature Climate Changes. Para Maiko, em certo momento a volta ao trabalho foi iminente e “a bicicleta me permitiu praticar o distanciamento social, manter em dia os exercícios e realizar deslocamentos rapidamente”, conta. “Acima de tudo, a bike foi a oportunidade ideal para que eu pudesse incorporar os valores de sustentabilidade que eu já praticava no CNPEM”, afirma o analista que desde a retomada segura de parte das atividades no CNPEM, em 2020, faz o trajeto casa-trabalho em uma “magrela” – ao todo, são quarenta quilômetros por dia. “E doze quilos a menos”, completa com bom humor.
FLORIAN MENEAU
Florian lidera a estação de pesquisa Cateretê
Pequenas grandes mudanças
Nas linhas de luz do Sirius são realizados experimentos que permitem observar aspectos microscópicos e nanoscópicos dos materiais, como os átomos e moléculas que os constituem que os constituem, seus estados químicos e suas organizações espaciais. Elas são planejadas para abrigar instrumentação científica avançada, adequada para solucionar problemas em áreas estratégicas para o desenvolvimento do País.
Uma delas é a linha de luz Cateretê, coordenada por Florian Meneau. Essa linha de luz, ou cabana experimental, é otimizada para a obtenção de imagens tridimensionais com resolução nanométrica de materiais para as mais diversas aplicações. Nas ciências biológicas, por exemplo, será possível visualizar as organelas dentro de uma célula e, com isso, inferir sobre efeitos estruturais e metabolismo celular.
“O início da pandemia coincidiu com o fim da montagem da linha de luz Cateretê. Entre março e julho de 2021, íamos ao Sirius, uma pessoa de cada vez, para realizar alguns testes com os diferentes equipamentos. A partir de julho de 2021, quando recebemos o primeiro feixe de luz síncrotron na linha, o comissionamento foi iniciado com pequenos grupos trabalhando de forma alternada. Obviamente, a comunicação com os outros grupos de Sirius era mais complicada, mas a motivação de todos permitiu seguir em frente com sucesso. Depois de apenas alguns meses de intenso trabalho, pudemos realizar os primeiros experimentos no Cateretê.
Pessoalmente, tive a imensa alegria do nascimento de minha segunda filha, Margot, o que facilitou a vivência desse momento atípico. Ela foi minha grande mudança!”
RENATA ROCHA OLIVEIRA
Renata trabalhou dia e noite produzindo cristais de proteínas do vírus SARS-CoV-2 para serem difratados na linha de luz Manacá, do Sirius
Foi intenso de novos desafios e conhecimentos que eu consegui vencer o medo e a ausência da família, e aproveitar cada segundo dessa experiência incrível de ser uma cientista em um novo mundo, onde a ciência era protagonista.
Pela produção de cristais reveladores
A cristalografia de proteínas ajuda a determinar a estrutura tridimensional de macromoléculas, gerando informações cruciais para entender o desenvolvimentos de doenças e apoiar a descoberta de novos medicamentos. A técnica é utilizada para a visualização de cristais feitos por especialistas em cristalização, que minuciosamente buscam formas de gerar cristais que possam ser difratados com precisão.
Durante os dois primeiros anos da força tarefa formada no CNPEM para a busca de soluções de combate ao vírus SARS-CoV-2, a geração de cristais de proteínas componentes do vírus foi crucial para a compreensão de seus mecanismos de ação. Renata Rocha é uma das responsáveis por este trabalho. Por diversas vezes, ela foi a primeira a acender as luzes das bancadas, no início do dia, e a apagar também, ao ser a última a sair.
“O trabalho durante a pandemia, para mim, foi um grande desafio. Tudo começou exatamente no momento do comunicado do CNPEM de afastamento das atividades presenciais, o que eu jamais poderia imaginar vivenciar um dia, até a difícil decisão de aceitar o convite para retornar as atividades presenciais, e me juntar a colegas em uma importante força-tarefa de enfrentamento e resposta a emergente pandemia de Covid-19. A pandemia chegava naquele exato momento, e diante daquele cenário de incertezas e medo, foi a decisão mais desafiadora que tomei até o momento em minha vida. Retornei, éramos poucos e aquela rotina conhecida já não existia mais. Enfrentamos muitos desafios. Tarefas complexas e cansativas, isolamento, silêncio nos laboratórios e corredores, mas ao mesmo tempo foi tão intenso de novos desafios e conhecimentos que eu consegui vencer o medo e a ausência da família, e aproveitar cada segundo dessa experiência incrível de ser uma cientista em um novo mundo, onde a ciência era protagonista. Não tenho palavras para descrever o quanto foi grandioso na minha vida e carreira profissional essa experiência vivida, juntamente com pesquisadores que eu sempre admirei e me espelhei durante todo esse tempo que trabalho no CNPEM.”
CAROLINA PIROGINI TORRES
Carolina opera equipamentos que são inclusive oferecidos para uso de usuários externos, através da submissão de propostas para o LNNano
Caracterização de materiais e auto conhecimento
Carolina Torres trabalha na Divisão de Síntese do LNNano, com a operação do equipamento de Espectroscopia Confocal Raman e dos equipamentos de análises térmicas, Calorímetro Exploratório Diferencial (DSC) e Termogravimetria (TGA). A Espectroscopia Confocal Raman é uma técnica de caracterização de materiais utilizada para identificação, por exemplo, de funções químicas, tamanho cristalino, diferenciação de polimorfos e empilhamento. As análises térmicas são realizadas, no geral, para determinar propriedades de um material para maior compreensão sobre ele. Normalmente as medidas trazem informações sobre hidratação, temperaturas características (fusão, transição vítrea, cristalização), entalpia de reações, avaliações cinéticas, transições de fase, entre outras aplicações, dados cruciais para a compreensão e produção de nanomateriais.
“Lidar com o cenário da pandemia não foi nada fácil. Iniciei minha jornada de trabalho no CNPEM em julho de 2020, quando tudo ainda era muito novo, as informações sobre a Covid-19 eram vagas, o medo enorme e as perspectivas de soluções ou melhoras eram quase nulas. Não tive um período de home-office. Desde o primeiro dia estava aqui presencialmente. Era difícil e triste ver tudo tão vazio e poder conhecer pouquíssimas pessoas, e essa foi a realidade por longos meses. Não existiam muitas análises a serem realizadas, não existiam discussões e nem vidrarias espalhadas na bancada. Durante esses dois anos, contraí Covid-19 e perdi uma das pessoas mais importantes da minha vida para esse vírus, sem nem dar nela um último abraço. Posso dizer que na mesma proporção que senti uma dor emocionalmente terrível, precisei ter coragem para respirar e continuar firme, e foi assim, que me descobri na minha carreira e cresci pessoal e profissionalmente. Aceitei desafios, estudei, abracei oportunidades importantes, me descobri mais forte do que eu já imaginei que seria, conheci pessoas sensacionais que fizeram a carga ficar mais leve, além de serem profissionais que me incentivam, apoiam e inspiram todos os dias. Tenho orgulho de fazer parte de um time tão incrível.