Por Eduardo Couto – Diretor do Laboratório
Nacional de Biorrenováveis LNBR
BIOTECNOLOGIA INDUSTRIAL
O crescimento econômico e populacional aliados à tendência de urbanização gerarão uma demanda crescente por energia e por produtos industrializados. Atualmente as rotas principais de transformação industrial usam fontes fósseis de matéria-prima, mas precisamos de soluções renováveis e sustentáveis para produzir moléculas réplicas das derivadas de petróleo. Além disso, a expectativa de aumento do consumo de produtos industriais, como por exemplo, plásticos, demanda alternativas para lidar com os resíduos destes materiais. A biotecnologia pode criar oportunidades para novos modelos de produção industrial de base biológica, com menores impactos ambientais, uso racional de recursos naturais e que estimule a implantação de uma economia circular, promovendo tecnologias de baixo carbono e novos padrões de comportamento.
No âmbito internacional, há cerca de uma década o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial e a Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico vêm emitindo relatórios sobre o papel da biotecnologia. Em 2017, a National Academy of Sciences dos Estados Unidos já apontava tendências como a industrialização da Biologia. Com a descoberta do CRISPR-Cas como ferramenta molecular de edição gênica, as possibilidades de P&D aumentaram significativamente e, em 2021, o Fórum Econômico Mundial, reconhecendo a importância do tema, implantou o Conselho Global de Biologia Sintética. A Comunidade Europeia, e mais recentemente os Estados Unidos, vêm apoiando iniciativas para promover a produção de bioprodutos e organizar o ecossistema de inovação em torno da temática.
O Brasil pode assumir papel de protagonista nesse novo modelo global de produção e consumo industriais e no enfrentamento de problemas agroambientais, como a substituição de agroquímicos. Isto requer aprofundamento no conhecimento científico e a capacidade de transformá-lo em biotecnologias, que agreguem valor às vantagens comparativas brasileiras, como a nossa rica biodiversidade e a nossa abundante biomassa, que também é diversificada e economicamente competitiva.
O nosso grande desafio de P&D é a construção de sistemas celulares, que atuem como biofábricas para a produção de moléculas de interesse industrial. A dimensão do problema fica clara quando compreendemos que a natureza levou bilhões de anos para evoluir e aperfeiçoar tais microrganismos, e nós pretendemos emulá-la criando soluções biotecnológicas ambientalmente corretas para a produção e consumo industriais em um curto espaço de tempo. Isso implica em obter genomas completos e precisos de comunidades microbianas, descobrir novas enzimas e funções biológicas e desenhar sistemas biológicos com vários biocatalisadores que sintetizem moléculas cada vez mais complexas.
No CNPEM temos competências e infraestrutura de ponta para integrar abordagens no estado da arte em biologia sintética e engenharia metabólica e elucidar os mecanismos de biocatálise em níveis atômicos e moleculares, utilizando fontes de luz síncrotron, microscopia eletrônica e simulações computacionais incluindo mecânica quântica. Mas isso é apenas o começo da jornada. Os microrganismos de relevância industrial integram bioprocessos. As suas interações com o ambiente extracelular é complexa e nem sempre previsível; um desafio que cresce com o aumento de escala. Validar biotecnologias em várias escalas depende de conhecimento profundo do metabolismo e do comportamento das células, bem como a capacidade para monitorar e controlar tais sistemas em tempo real.
Encerro com uma reflexão: o que mais nos falta, para quantificarmos e valorizarmos o nosso capital natural e acelerarmos a transição para um modelo de desenvolvimento econômico sustentável que traga riquezas, empregos e prosperidade para o Brasil?